segunda-feira, 31 de maio de 2010

Sebastião da Gama e a Arrábida


Poeta e pedagogo célebre, Sebastião da Gama nasceu em 10 de Abril de 1924 em Vila Nogueira de Azeitão, tendo exercido a função de professor do ensino secundário. Destas lides nos fala com muito amor no seu Diário, referindo nomeadamente o estágio de Português que realizou na Escola Veiga Beirão nos anos de 1948 a 1950.
Foi poeta na vida, nos gestos, nas palavras, exactamente como o foi nos versos. Convencia-se da involuntariedade das suas criações, considerando-as como dádivas e dons que em determinados momentos lhe eram concedidos.
Sebastião da Gama amava apaixonadamente a beleza da Arrábida. Sabia qual a melhor hora para se isolar na Serra, ou meditar, olhando o Mar, do qual conhecia todos os tons e variantes.
"Serra-Mãe" é o testemunho vibrante do que a beleza impressionante da Arrábida representava para o Poeta.
Foi aluno do Liceu Bocage de Setúbal. Licenciou-se em Letras em 1947 com 17 valores, Foi professor em Setúbal na Escola João Vaz em 1948-49. Fez estágio na Escola Veiga Beirão em 1949-50. Foi professor efectivo na Escola Comercial e Industrial de Estremoz em 1950-51.
Casou em 4 de Maio de 1951. Faleceu em 7 de Fevereiro de 1952.
Setúbal, que desde os bancos do Liceu, o conheceu, apreciando o seu valor como poeta e como intelectual acarinhou-o desde sempre.
Foi breve a sua passagem pela vida, mas deixou nela uma luz de beleza poética reveladora de uma Alma de eleição.
Os seus poemas são a expressão da sua viva sensibilidade e da espontaneidade, facilidade e pureza das suas criações. Publicou:
Em 1945 - "Serra-Mãe".
Em 1947 - "Cabo da Boa Esperança".
Em 1950 - "Campo Aberto".
Postumamente - "Pelo Sonho é que vamos" e "Diário".
No seu Diário Sebastião da Gama fala-nos das aulas e dos seus alunos com tanto carinho e amor que nos leva a pensar muitas vezes como seria bom que tudo acontecesse sempre assim, todos os dias e em todo o mundo.
Como a felicidade podia inundar as salas de aula ajudando cada jovem a ser ele mesmo e a ser um grande cidadão ou cidadã no futuro.
Oiçamo-lo pois com atenção num extracto do Diário:
"[...] Estou perdido com o Augusto. Apito-lhe que é preciso trabalhar e o moço como que já não sabe: por tudo e por nada, versos que te valham. Mas eu não tenho a culpa. Eu não tenho a culpa. Amanhã vou zangar-me com ele, que, desde que me meteu na cabeça que era Poeta, faz gazetilhas «(Um astucioso ladrão de nome Laureano Vieira»-e depois versalhada) em vez de caderno diário. O que vale é que de vez em quando aparece disto, em que eu não ponho DEVOLVIDO e que talvez leia na aula (mas lerei?):

NATAL
Nascera para ser assim
não precisava de colchas de cetim
aquele menino que nascera em Belém,
Não precisava de mantos de arminho
bastava-lhe o céu de azul clarinho
e a ternura dos olhos de sua Mãe.

Quando foi dos exercícios, reparei que falavam os moços das enfermeiras senão assim: « ... vultos brancos, que mais parecem fantasmas.» Critiquei-lhes a comparação, dizendo que não me parecia ser ela sincera, visto aparecer em tantos - era uma frase feita que eles acharam bonita; que não era totalmente verdadeira, visto que nem sempre a enfermeira é um bicho antipático -tantas vezes é fraternal, docemente poética, como as encantadoras, raparigas da Fundação Rockefeller; e, finalmente, que nem só os fantasmas andam de branco: as noivas andam de branco... As amendoeiras andam de branco...
-«0 Senhor Doutor anda de branco»-fechou o Orlando, a pensar na minha utilíssima bata".
E termina este Diário com as seguintes palavras:
"Esqueci os pormenores destas aulas. Mas sei muito bem que na sexta-feira os do 1º ano falaram do princípio ao fim. O Chico Graça sobre a Agricultura, o J. Manuel sobre livros, a Laurita sobre Santa Isabel. E depois contou histórias quem quis. E eu ouvi.
A noite de sexta é que foi custosa: o aluno mais velho, tímido como um menino de oito anos que entra na escola, veio entregar-me, com muitas desculpas, a sua redacção. O que aquilo me doeu!
E aqui estou novamente na Arrábida, firmar as forças e cheio de confiança, de serenidade, de sonho. Cabo da Boa Esperança!"

Fala da Serra da Arrábida, da sua querida Arrábida, da Serra-Mãe que tanto amou.

Oiçamo-lo mais uma vez, agora através da sua obra intitulada O segredo de amar:

"[...] Dez quilómetros de boa estrada e tomamos novamente a direita de uma encruzilhada (à Ponte de Cambas); vamos entrar na Serra da Arrábida. Nos primeiros lanços fica-nos ela em frente, azul e majestosa; pouco a pouco começam o alecrim, o rosmaninho, a esteva, a anunciá-la na sua voz de perfume. E ao longo da cobra de alcatrão não se cansa o mato de encantar os que passam: agora é o medronheiro, mais adiante a aroeira e o zimbro. Casalinhos de pequenos lavradores, os Casais da Serra, entremeiam de branco o verde do mato e o vermelho do barro.
De repente, menina curiosa a espreitar da sua varanda, a Capela de Nossa Senhora de el Carmen; diz-nos adeus, de longe e fica. E já nos esquecemos dela, porque a Serra do Risco, à direita, sobe para o Céu na sua escalada titânica. É ali o ponto mais alto da costa de Portugal, por isso lhe chamam «cabo de ares» os pescadores que de baixo, dos seus barcos minúsculos ante aquela grandeza, a medem com o terror ou a admiração da sua pequenez de homens.
A Serra tem o ar de uma onda que avança impetuosa e subitamente estaca e se esculpe no ar; é uma onda de pedra e mato, é o fóssil de uma onda. Ri-se do mar de agora, gaivota mansinha, profundamente azul, que faz avultar, com a planície que lhe fica à esquerda, o seu dorso gigantesco.
E seguimos; e à maravilha segue a maravilha: agora começa-se a descer a Estrada do Professor Gentil, três quilómetros que nos levam ao Portinho. Aconselha o bom gosto a fazer uma paragem de minutos. Estamos no Alto da Mata, assim chamado porque ali termina a Mata do Solitário, floresta cerrada onde se misturam de há séculos o carvalho com o medronheiro, o folhado com o zimbro. Toda a mata de que, donde estamos, vemos apenas a cúpula verde, é uma catedral de sombra. Lá terá vivido o asceta que lhe deu o nome e ao poçozinho que a refresca; e o Casal da Boavida, hoje meia dúzia de pedras perdidas numa clareira, lá está para indicar onde dormia o solitário.
Que pena não poder durar mais tempo esta nossa paragem! É que aqui é o ponto mais belo que até agora encontrámos: em nossa frente ergue-se, piramidal, o Monte do Guincho, onde a Mata do Solitário nasceu e vingou; de cada lado o mar, que vemos moldado por dois vales; tudo simétrico, tudo regular, espantosamente regular nesta Serra caprichosa e romântica. Os pássaros cantam a liberdade dos bosques. E nós baixamos até ao Portinho, onde havemos de almoçar. Uma baía que abraça amorosissimamente um mar estático... Uma fortaleza mandada construir por D. Pedro II para defesa da costa (piratas que gostariam de passar aqui o seu fim-de-semana) e que é hoje a Estalagem de Santa Maria... Mato a nascer ao rés das ondas - dir-se-ia que tem a raiz na água salgada... Uma luz que fere a vista mas de que a vista se enamora, a vestir as coisas todas de um brilho que não é deste mundo... Gaivotas que não são sinal de temporal - são antes as pombas de uma paz única e primitiva... Todo o Portinho (que poeta lhe pôs este nome?) a ser um cais sobre a Poesia, uma janela que dá para a Beleza... Sabe-nos bem estarmos vivos.
Mas não deixemos de ver a Lapa de Santa Margarida -uma gruta enorme que o mar enche com a sua voz sagrada. Humildemente escondida na sombra, uma capelinha tosca onde por vezes se reza missa (e o mar acolita e a missa ganha um sentido mais grandioso, mais preciso que noutro lugar qualquer; a gruta transcende-se e tem ogivas e tem vitrais e tem rosáceas a cada canto; Deus veio).
Depois Alportuche, uma pequenina praia a que nos conduz uma alameda de eucaliptos. E se tomarmos um bote poderemos ainda visitar a Praia dos Coelhos e a de Galapos. De passagem, vemos de perto a Pedra da Anicha, ilhota curiosa que em tempos deve ter ligado com a terra; camaleão da paisagem, se não muda de cor muda de forma e durante o nosso passeio já tivemos ocasião de lhe ver aspectos vários; outros vos esperam ainda - para cada lugar de que a vemos guarda a Pedra da Anicha uma cara diferente.
Chegou a hora da partida. De novo cortamos a Mata do Solitário - a estrada verte sangue. No Alto da Mata tomamos o ramal da direita e vai começar o novo filme; agora as cores são mais vivas, a luz mais álacre. Tornamos a ver a Mata, Alportuche, o Portinho, o Mar... Passamos a dois passos da Mata Coberta, que foi, antes de o ciclone a ter amputado, a mais numerosa da Serra; o Sol ficava-lhe à porta, contentava-se com doirar o cume do Monte Abraão, que a protege dos ventos do mar. Um minuto mais e aparece o Convento. Ali se concentra a religiosidade esparsa pela Serra; parece que é ali a fonte mística, quando o contrário é o que afinal acontece; ali desemboca, vindo de todos os cantos, trazido por todos os ventos, o espírito que dá à Serra da Arrábida elevação e sentido. Ali é que se apercebe com nitidez a Arrábida mais verdadeira, que não é a Arrábida dos banhos, nem a Arrábida das caldeiradas, nem a Arrábida das romarias encantadoramente pagãs, nem sequer a Arrábida do turismo; é o que aquelas paredes contam. Eis Frei Martinho, que em 1542 fundou o Convento, posto à entrada a impor silêncio, recolhimento e fé; e a capelinha-mor, onde um Cristo em madeira, uma Nossa Senhora da Romã e dois óleos de autores desconhecidos nos não chamaram em vão (e que bonitos e sinceros os barcos de pesca que os pescadores, devotos de Nossa Senhora da Arrábida, lá foram pôr!); e o jardinzinho de S. Pedro de Alcântara, onde o buxo reza há trezentos anos uma oração que já deve ter chegado lá acima; e a Fonte da Samaritana, a escorrer frescura pela bica (santa, três vezes santa, das sedes que matou ... ); e a capelinha-brinquedo da Senhora da Piedade, que a paciência dos frades ornamentou de conchas e de cacos; e a maior graça do Convento que é a desordem harmoniosa das suas celas, a simplicidade das suas ruazinhas estreitas. Por tudo isto perpassa a memória dos fradinhos que descobriram a Arrábida lugar de oração, antecâmara do Céu. Frei Agostinho da Cruz, que morava numa celazinha perdida no mato, junto do Convento Velho (duas ermidas, a da Memória e a de Santa Catarina, e mais uma série de sete que representam os Sete Passos, sendo o da Crucificação - Senhor dos Aflitos - única que escapou ao tempo, uma escultura de primeira ordem) encontrou a expressão poética desta descoberta. «Nesta Serra do Céu, vossa vizinha» -dizia ele a Nossa Senhora.
Mas Frei Agostinho não é só no Convento que nos vem à lembrança. Estamos agora na estrada que corta a Serra longitudinalmente, pelos píncaros, e de novo ele fala:
Alta Serra deserta, de onde vejo
As águas do Oceano de uma banda,
Da outra, já salgadas, as do Tejo.
Até onde o Poeta foi a pé, quando rasgava o hábito na aspereza dos carrasqueiros, na ânsia de subir tão alto que visse o Céu de mais perto, pode hoje toda a gente ir de automóvel ou de camioneta. Os homens magoaram as pedras amadas de Agostinho e passaram. O mato por aqui é rasteiro - acabou a Arrábida luxuriante para começar a Arrábida desolada e severa. Mas que encantamento de paisagem -Para trás as matas, iluminadas de um Sol que as enriquece a esta hora da tarde; em baixo a fortaleza, meigamente poisada na orla verde do mar; cabrinhas agitam os seus guizos e olham espantadas (ou indignadas?) os que perturbam a grande paz da Montanha. É um presépio autêntico, em que o Menino Jesus gostaria de ter nascido. Mirantes nos convidam a parar - varandins de onde Frei Agostinho veria, de uma banda, as águas do Oceano (e também as do Sado), da outra as do Tejo. E veria Setúbal garridamente disposta à beira-cais; e veria Lisboa, veria, no flanco norte da Serra (Os Picheleiros), as vinhas onde dorme o famoso Moscatel de Setúbal.
Depois a paisagem muda. Avistamos o Sanatório do Outão, estabelecido numa antiga fortaleza, e a fábrica de cimento Secil, e caminhamos para Setúbal por uma estrada rente ao rio; a palmeira, o eucalipto e o pinheiro são as árvores que dão cor e sombra ao longo destes sete quilómetros. Ranchos de rapazes e raparigas, de famílias inteiras que saíram a gozar o seu domingo, saúdam os turistas.
A Comenda e o seu palacete, a Praia de Albarquel com a sua fortaleza são ultrapassados. E Setúbal surge finalmente, com fábricas de conservas logo à entrada.
O segundo castelo do triângulo está à vista: é o Castelo de S. Filipe, único castelo barroco de Portugal, mandado construir em 1590 por Filipe II.
Fonte: aqui

Pelo sonho é que vamos

Aqui fica um dos mais conhecidos poemas de sebastião da Gama:

"O SonhoPelo Sonho é que vamos,
comovidos e mudos.
Chegamos? Não chegamos?
Haja ou não haja frutos,
pelo Sonho é que vamos.
Basta a fé no que temos.
Basta a esperança naquilo
que talvez não teremos.
Basta que a alma demos,
com a mesma alegria,
ao que desconhecemos
e ao que é do dia-a-dia.
Chegamos? Não chegamos?-
Partimos. Vamos. Somos."

Um pouco mais sobre Sebastião da Gama...

Fonte: aqui


Sebastião da Gama



Aqui está um excelente trabalho que permite conhecer melhor Sebastião da Gama.